quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Gonna Fly Now






Um filme do caralho: Rocky. Não falo das continuações, mas sim do original de 1976. E também do último: Rocky Balboa. São dois filmes que me emocionam como poucos. Simpatizo com o personagem. Me identifico com ele. Certos personagens são feitos para encantar a todos. Rocky é um deles. Taí um filme em que tudo está no lugar certo. A história, o ator, a trilha sonora, o clima, tudo. Mas vou parar por aqui; não quero que isso tenha ares de crítica fria e cerebral. Seria um crime com o filme. Esse filme tem alma. É vivo. É honesto.
Não é sobre luta. É sobre perseverança, adversidade. É sobre sinceridade. Porra, é um filme sobre se emocionar. Foda-se a SS da intelectualidade que torce o nariz só porque envolve músculos e porque tem o nome "Stallone" nos créditos. Se faz parte desse Terceiro Reich de merda, foda-se você também. Mas se não faz, assista-o. Assista o primeiro e o último, são geniais. Assista o segundo só para dar mais bagagem de enredo.
Simplesmente adoro Rocky e adoro quando ele sobe as escadarias do Museu de Arte da Filadélfia e salta no ar, vitorioso. Algum dia também vou subir aquelas escadarias, estejam elas na Filadélfia ou não.
O filme é sobre vitória, sobre a verdadeira vitória, que não implica necessariamente em ser o vencedor da parada. A vitória consigo mesmo. Tal vitória, nem mesmo a derrota é capaz de esmaecer. Puta que pariu, e peça musical First Date (da trilha sonora composta por Bill Conti), flana pelos headfones. Impossível não se arrepiar.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Sábado à noite...


Sábado à noite. Paris. Vinho tinto. O fantasma de um pardal cantava a vida em cor de rosa, bem de frente à Notre Dame. Noite clara, bem de frente à Notre Dame. Turistas notívagos. Vagabundos ébrios. E corvos, grasnando de cima das gárgulas. Paris num sábado à noite. Uma brisa de música no ar. E o ronronar dos franceses ecoando dos cafés.

Qual é o sentido disso?

Essa cidade.

Esse mundo.

Essa noite.

A cidade está aqui há muito tempo. Estará aqui quando eu já não existir. E as noites de sábado continuarão a embalar clochards no decorrer da eternidade. Qual o sentido disso tudo.

Tudo é extremamente belo e triste.

Em Paris, todo mundo é Sartre. Eu também.

E as córneas petrificadas das gárgulas de Notre Dame sabem disso tão bem quanto eu. Elas são Sartre.

Sigo pelo Quartier Latin, às márgens do Sena. A água escura emana matizes de dourado. As ondas tremeluzentes balançam por baixo dos barcos. O barco está bêbado. O murmúrio do Velho Mundo está todo aqui. Nessa calçada. Na minha cabeça.

Atravesso a Pont Des Arts.

Bebo vinho nos pátios do Louvre. Em algum ponto lá dentro, quadros dormem para sempre. A Mona Lisa sorri para sempre, acima dos holofotes.

O sono começa a pesar nas minhas pestanas. É alta madrugada.

Entro na Croix Des Petits Champs. Luminosidade avermelhada que se derrama da sacada dos prédios e tinge o chão de luar. O sono é leve e gentil, quase sensual. Eu me recolho. E lá no fundo da rua, a praça deserta paira acordada, iluminada para ninguém, só para mim. Tudo é belo e triste no mundo. JE T'AIME.

domingo, 28 de setembro de 2008

A gente somos inútel?


É verdade. A Europa é primeiro mundo. Nós somos terceiro mundo. É verdade. HÁ UMA DIFERENÇA BRUTAL ENTRE PRIMEIRO E TERCEIRO MUNDO.
Existe um “mal-funcionamento generalizado” por aqui. Isso nada tem a ver com diferença genética nem geográfica nem mesmo com o pensamento nocivamente espirituoso de que “a zoropa é chisque... eles pode”.
O problema é mais educacional e cultural que propriamente político. A política é uma extensão. Cultura não é só entretenimento. Sem cultura (englobe tudo o que essa palavra significa), a nação atrofia, o povo perde sua força.
Não sou ingênuo e sei que essa base comparativa entre primeiro e terceiro mundo é discutível, já que eles próprios têm interesse que continuemos em nossa posição desprivilegiada. Mas isso não vem ao caso. É preciso acabar com a mentalidade de vítima. Acabar com o choramingo de que “ele que me bateu...” e começar a andar pra frente.
É inacreditável que um país tão grande quanto a Europa inteira seja tão enfraquecido. As necessidades são inúmeras. Ou melhor, os PASSOS são inúmeros. A palavra “necessidade” só contribui para essa mentalidade de vítima. A palavra “necessidade” implica tacitamente numa posição passiva... em mãos estendidas e expressões subservientes.
1) CULTURA. De verdade. Nada de projetinhos alternativos e ONGzinhas que todo mundo sabe que só servem para sonegar impostos. A cultura precisa ser algo normal, parte de nossas vidas. Cultura de verdade. De uma forma generalizada e arraigada.
2) EDUCAÇÃO. Não gosto de separar educação e cultura em dois tópicos distintos. É tudo uma coisa só. Educação e cultura caminham juntas. Quando se tem uma, necessariamente se tem a outra.
3) Educação + Cultura = indivíduos conscientes. Sabe aquela história de que quando se tem o gostinho do caviar fica difícil voltar pro fubá? É isso mesmo. Quando tivermos educação e cultura não aceitaremos passivamente qualquer merda. Saberemos o que tem valor e saberemos do NOSSO valor. Não ficaremos mais de quatro para que cheguem por trás e CRÉU na gente. Digo novamente, vai muito além do entretenimento. Um povo que sabe que está sendo passado pra trás na música e na televisão, SABERÁ QUE ESTÁ SENDO PASSADO PRA TRÁS NA POLÍTICA OU NO QUE QUER QUE SEJA.
4) POLÍTICA... “Mamadores de teta” fingindo que governam o país e que na verdade só investem em suas casas de praia? OS POLÍTICOS fazem as leis definindo quanto vão ganhar e quando vão trabalhar e eles próprios são os responsáveis pela aprovação das leis que criaram. Que piada. Devia ter um preparo maior para se entrar no jogo da política. Ou melhor, devia ter ALGUM preparo. Muito se fala que o povo precisa saber votar, mas isso não adianta muito quando se tem que escolher entre o estúpido, o idiota e o imbecil. Esses termos pejorativos só se aplicam quando o assunto é a sociedade; tratando-se dos interesses dos próprios políticos, eles são bem espertinhos. No entanto, sem educação e cultura é impossível haver indivíduos preparados.

Mas chega desse papo. Você já entendeu... Eu acho.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Matei um homem em Reno, só para vê-lo morrer


É manhã de sol em Paris. Saio por aí, vagando sem rumo, na direção da Place de la Concorde e depois seguindo adiante. Ando até perder tudo de vista. Volto pelo outro lado da rua, acompanhando as margens do Jardin des Tuileries. Já que estou à toa mesmo, resolvo entrar no jardim. O sol não se avizinha por entre as árvores. O ar é fresco e sombreado. A luz não queima; ilumina. Alguns corvos pousam pelo chão e gralham sem parar. Um homem velho, empuleirado sobre um banco.

Sento no banco ao lado e ligo meu MP4.

Coloco Johnny Cash para tocar.

Eis Paris me contornando... e Folsom Prison Blues nos meus ouvidos.

Quando eu era pequeno, minha mãe disse "filho, não se meta com armas". Mas eu matei um homem em Reno só para vê-lo morrer...

Após Folsom Prison, vem Get Rhythm e depois Big River e depois Cocaine Blues e depois Hurt. Música após música e Paris após Paris. Cash canta como se alguém estivesse rasgando a sua alma em dois, fazendo-a sangrar.

Faz uma hora que estou sentado num banco solitário do Jardin des Tuileries. Os carros zunem às minhas costas. Os corvos gralham e alçam vôo. Johnny Cash canta Man in Black. Está cantando sobre si mesmo, o homem de preto. Ele só se apresentava de preto, como se estivesse indo a um funeral. Segurava o violão (ou a guitarra) como se empunhasse um rifle. A voz firme, dura, forte. O olhar alvejando o público.

É ao mesmo tempo estranho e interessante ouvir Johnny Cash bem no meio de Paris.

Não conheço muita gente que escuta Johnny Cash. Pra falar a verdade, não conheço ninguém que escuta Johnny Cash. Quer dizer, excetuando os conhecidos virtuais orkutianos; nesse caso, encontra-se de tudo. Mas também não faço questão de conhecer.

O sol do meio-dia começa a se impor, vegetação adentro. Cash canta Understand Your Man com a voz grave. E depois manda Chicken in Black, a paródia que fez de si mesmo quando comprou briga com a gravadora.

Essa garotada metida a cool com suas camisetas pretas de boutique, seus cabelos bem cortados e cuidadosamente despenteados, seus casaquinhos listrados e seus cdzinhos indies (sei lá o nome disso...) deviam escutar Johnny Cash. Escutar verdadeiramente, e não porque Cash is Cool. Mas foda-se. É meio-dia, faz sol e Paris continua a ronronar seu Folsom Prison Blues para mim.

Ando na linha.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Anoitecer parisiense.


Estou em Paris. Tudo é muito bonito, antigo e parisiense. Desbravei a Suíça e agora estou aqui. O futuro ruge como uma longa estrada de concreto à minha frente. Sempre que olho para frente, a visão é ofuscada pelo sol que queima o horizonte.
Passei pelo Quartier Latin e comi uma pizza na calada da noite que custa a tombar. É bom sentar para comer e se afastar do formigueiro de turistas e da cacofonia de idiomas que brotam dos flashs de máquinas fotográficas made in japan.
O museu Orsay é legal pra caramba. Van Gogh está lá, sufocado por fotografias digitais. Eu me pergunto o que ele acharia disso. Olhei bem de perto para o seu auto-retrato. As pinceladas, o traçado do auto-relevo, as linhas tortuosas que refletiam sua alma tortuosa ficaram a meio centímetro do meu nariz. Pissarro também. Com Pissarro foi estranho; no dia anterior eu tinha sentado no túmulo dele para ver a banda passar. Para sentir a presença de Pissarro e de Van Gogh no museu foi preciso abstrair a horda de turistas que, de tão frenética, nem olha para os quadros, apenas para as reproduções dos quadros na telinha de suas máquinas digitais.
Hoje entrei na livraria onde passaram Hemingway, Joyce, Kerouac e Henry Miller. Falo da famosa Shakespeare & Company. Comprei Visions of Cody, de Jack Kerouac. Não fiz mais que minha obrigação. Saindo da Shakespeare & Company com um livro de Kerouac nas mãos, senti como se tivesse um trunfo na vida. Foi como se Kerouac despontasse na esquina do Quartier e dissesse “ei, estou por aí, vamos lá!”.
Fim de tarde ensolarado. Segui até as margens do Sena, todo feliz com o livro do Kerouac na mão. Minha barriga começou a roncar e lembrei que havia se passado horas desde que tinha comido pela última vez. E senti como é ser um escritor faminto em Paris. Igualzinho a ser um escritor faminto no Brasil. Estômagos sempre roncam no mesmo idioma. Vi que esse negócio de ser escritor faminto não está com nada e fui comer alguma coisa. Depois, sentei-me bem no meio da Pont des Arts para ver o sol se pôr e a banda passar, como fiz no túmulo de Pissarro.
O sol tombou sobre o Sena às nove e pouco da noite. O verão europeu tem dias longos e noites curtas. Ao meu redor, a ponte fervilhava de calor humano. Caras sentados e tocando saxofone. Caras sentados com suas namoradas. Grupos de pessoas sentadas, conversando e tomando vinho no gargalo. Caras solitários, sentados, lendo ou olhando para o vazio. Ninguém era melhor que ninguém. Nem pior. Talvez fosse pura impressão de estrangeiro que olha para uma terra impressionista. Mas isso não importa. O que importa é o que é sentido, não o que de fato é.
Levantei, cruzei a Pont des Arts e atravessei os arcos do Louvre na direção da casa de minha tia.
Kerouac reapareceu e disse “ei!”. Era só um fantasma, mas e dai?
É isso. Cá estou; sem saber o que vai ser nem o que vou ser; tentando mudar o mundo antes que o mundo me mude.
Hoje fecho essa crônica do mesmo jeito que vi meus ídolos fechando vários de seus escritos.
Paris, França. 23/08/2008.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Shakespeare & Company

Frente a Shakespeare & Company. Meio-dia nublado. Blondie me chama nos fones de ouvido. Paris às minhas costas. Notre-Dame acinzentada pelos vagabundos a vaguear. Gárgulas de pedra lá no alto, como farelos de pesadelos açucarando a beleza européia. Pessoas bebendo vinho nas amuradas da catedral.
Onde é minha casa? Onde estou? Não estou nem aqui nem ali e nem em Friburgo.
Pessoas passam pela rua e a livraria é vitima de dois ou três turistas digitais. Cheguei longe para encontrar respostas a uma pergunta que não sei perguntar. Espremo essa cidade em silêncio.
Shakespeare & Company. Suponho que eu seja a companhia. Agora Santo & Johnny ecoam fantasmagóricos pela tarde fosca. Em breve será noite e um caleidoscópio de luzes se refletirá no Sena. É bom estar aqui. É como dar um bolo no tempo.
Fico me perguntando onde estarão os parisienses em meio a tantos turistas. De vez em quando dá para avistar um. São os que não tiram fotos. Se bem que não sou parisiense e não estou tirando fotos. Mas já tirei bastante.
Ruelas se enroscam entre prédios art déco e mulheres desdentadas cantam Edith Piaf na frente dos cafés para ganhar uns trocados. A tarde se alonga noite adentro.
Ontem tomei vinho nos terrenos do Louvre, perdido sob a madrugada de Paris. E olha que não costumo beber. O museu estava apagado, vazio, espectral, quase como uma cidade morta.
Dizem que todos os caminhos levam a Roma. Bem, estou em Paris. Ainda não sei aonde meus caminhos vão me levar. Mas dane-se. Isso não diz respeito a ninguém e nem a Paris.
Caminho, caminho, perdendo a noção de tempo e de distância. Olho para trás e não sei onde estou. Procuro pelas margens do Sena e não as encontro tão facilmente. Não sei se sigo para o sul ou para o norte. Acho que entrei na Île de Saint Louis. Estou perdido. Esse é o espírito parisiense; se perder.
- Por favor, senhora, para que direção é o Louvre? – pergunto num francês pra lá de precário pra uma madame que vem passando.
- Pra lá.
Ela aponta para a direção oposta. Merde.
Nada a fazer além de caminhar rumo ao Louvre. Peguei o Louvre como ponto de referência.
Já passam das duas da tarde e o sol está de rachar. Nunca imaginei a Europa ensolarada. Mas cá estou, e o sol também.
Paris é de fato a cidade das luzes. E também é a cidade dos livros. Para onde quer que se olhe, há alguém com um livro na mão. Pessoas lendo pelas ruas, dentro do labirinto dos metrôs, recostadas em qualquer balaustrada. Pessoas, pessoas, pessoas, de todos os tipos, cores e roupas. Roupas tão bonitas quanto exóticas, roupas que se desfilassem por Friburgo, todo mundo ficaria olhando e achando super estranho. Aqui todos são desencanados com essas coisas. Friburgo não é perfeita; Paris também não, mas são diferentes, com certeza.
Ao longe, alguém grita alguma coisa em francês. Chega a ser engraçado.

By Day

Louvre pela manhã. Adormecidos em recostos pardos de uma cena cinzenta. Tudo é silêncio. A melhor hora do dia é a hora deserta.
Pont des Arts. Eu a atravesso olhando o verdejar do Sena aos meus pés. Quero e não quero o isolamento.
Os sebos ainda estão fechados. Os barcos ainda estão atracados. Os turistas ainda estão dormindo.
O rosto de Jim Morrison está por toda a parte, estampando cada banca de souvenirs. Esse americano de Los Angeles está para sempre incrustado na cidade das luzes, mesmo sendo tão diferente dela. A morte deu Paris a ele. Americano em vida, parisiense na morte. Deixe-me dormir à noite inteira em sua cozinha de almas.
A temporada no inferno é o tempo dos assassinos e o tempo para colher.
Paris como um filme à minha frente. Pessoas vêm e vão, em afazeres misteriosos e idiomas desconhecidos.
Dentro do metrô, indo para algum lugar. Desconheço o mundo e suas nuances.
Entro numa catedral dourada para me esconder da chuva. A chuva aqui não se anuncia.
Arabescos e sacadas contornam as cúpulas da igreja secular. Imagens de anjos, mortes, nascimentos.
Um fiel de pele escura se ajoelha diante do altar adornado e se prostra em humildade aos olhos da imponência áurea de Deus. Olho para o homem e olho para os candelabros. O mundo não é só imagem. Há alguma coisa escondida, alguma coisa que só é acessível para aqueles que abrem mão e seguem adiante. Sinto isso.
O homem de pele escura ergue as mãos num gesto de reverência. Ele sente que suas palavras de fato atingem Deus; por isso são palavras desprovidas de riscas.
Paris. Uma sucessão de imagens e circunstâncias que vou descrevendo, assistindo, sentindo, indiscriminadamente.
Todo mundo por aqui lê Rimbaud. Todo mundo. E usa cachecol e senta em cafés e fuma cigarros. Mas isso não me interessa. Me interessa aquela fagulha escondida, aquela essência sutil e silenciosa que o fiel na catedral buscou com as mãos estendidas.
Quero encontrar Rimbaud por trás dos séculos. Quero dar de ombros à Abissínia. Quero me encontrar por trás dos ruídos.
Vim até a terra dos fantasmas para encontrar um único fantasma. O fantasma que nunca fala e que nunca morre.
Sei que algum dia vou morrer e luto contra o tempo. O tempo da viagem, o tempo da vida. Não quero lutar. Quero fazer parte. Uma parte inerente à cidade, à vida e ao tempo. Quero escrever até morrer porque é só o que sei fazer.
A essência escassa, rara, oculta e sutil. O resto é somente cachecóis, cafés e cigarros.